'Prova de vida': o clamor das famílias de presos em El Salvador
Jonathan Santos estava jogando videogame quando foi preso em sua casa durante uma operação contra grupos criminosos perto de San Salvador. Dois anos depois, seu pai implora para vê-lo "mesmo que por um minuto" para saber se ele está vivo.
Em sua modesta casa em Soyapango, uma localidade a 12 quilômetros da capital que já foi controlada pela temida Mara Salvatrucha, Reynaldo Santos mostra à AFP fotos de seu filho de 22 anos e vários documentos sobre seu caso.
"Aqui eu não tenho certeza suficiente de que ele possa estar vivo", diz o padeiro de 57 anos, apontando para os papéis em que as autoridades o informaram em março e em outubro que seu filho sofria de "gastrite".
O jovem foi preso em dezembro de 2022, quando soldados e policiais cercaram Soyapango na "guerra" contra as gangues lançada naquele ano pelo presidente Nayib Bukele.
De acordo com a ONG Socorro Jurídico Humanitário, há cerca de 30.000 inocentes entre 83.000 detidos, sem mandados de prisão e acusados de serem membros ou cúmplices de grupos criminosos, sob um regime de exceção em vigor no país desde março de 2022.
As visitas às prisões são proibidas, os detentos estão incomunicáveis e muitas famílias não sabem onde ou como eles estão.
- "Vivo ou morto" -
Organizações como Anistia Internacional, Socorro Jurídico e o Movimento de Vítimas do Regime de Exceção denunciam mais de 300 mortos na prisão desde 2022.
A 100 km de San Salvador, em uma comunidade agrícola em Jiquilisco (sudeste), moradores dizem à AFP que a polícia levou 21 jovens em um ano.
Entre os detidos está o ex-soldado Eduardo. "O que eu gostaria de saber é se meu filho está vivo ou morto", diz Pablo Rivera, um fazendeiro de 54 anos, que faz de tudo para tentar ver o filho preso.
Sob o nome de "prova de vida", várias ONGs lançaram uma campanha em outubro para exigir certificados de exames médicos dos presos, assim como visitas à prisão.
"É desumano, a situação em que milhares de pessoas se encontram é totalmente desesperadora", declarou Mirna Perla, ex-juíza da Suprema Corte, à AFP.
Diante das críticas, o ministro da Justiça e Segurança, Gustavo Villatoro, responde que as autoridades agem de forma "responsável" e "garantem que não haja abusos", enquanto acusa as ONGs de servir a "criminosos".
O filho de Santos, um maquilador sem antecedentes criminais, foi acusado, como a maioria, de ser membro de "grupos ilícitos".
"Pensei que (o regime de exceção) fosse para membros de gangues, não para pessoas inocentes", disse Santos.
A advogada Ingrid Escobar, da Socorro Jurídico, declarou à AFP que há relatos de "centenas que já têm ordens de libertação", mas as autoridades penitenciárias não as cumprem.
Em um acontecimento inusitado, um tribunal emitiu 24 "pedidos de liberdade" a favor do jovem empresário Melvin Ortiz, mas ele só foi libertado em outubro, depois que a ONG denunciou o caso à ONU.
Santos ainda não almeja tanto. Ele só pede "um minuto" com o filho para dizer que está "lutando" por ele.
P.Rossi--IM