Ciência sob ameaça: violência do narcotráfico atrapalha pesquisas no Equador
O biólogo César Garzón estava procurando por uma ave em perigo de extinção quando uma ameaça à sua segurança apareceu. No Equador, um dos países com maior biodiversidade do mundo, as gangues do narcotráfico interferem na ciência com sangue e terror.
A advertência de um possível sequestro obrigou Garzón a suspender a busca por exemplares de Tiriba-do-el-oro (Pyrrhura orcesi) na tumultuada localidade mineradora de Camilo Ponce Enríquez (sul).
"Faça seu trabalho em outro lugar porque aqui é perigoso", disse um homem com aparência de minerador que o parou no meio do caminho.
Naquela noite de abril, José Sánchez, prefeito da cidade, foi morto a tiros. Em 13 de agosto, um confronto entre grupos criminosos deixou cinco mortos. Autoridades encontraram dois corpos decapitados e outro carbonizado.
Garzón, especialista em aves do Instituto Nacional de Biodiversidade (Inabio), tentou continuar sua pesquisa em um município vizinho, onde também mataram o prefeito. Então, fez suas malas e retornou a Quito.
O cientista acredita que os Tiriba-do-el-oro habitam Ponce Enríquez (província andina de Azuay), com uma estimativa de cerca de 1.000 exemplares e em perigo de extinção, segundo a UICN.
Devido à sua riqueza aurífera, a localidade é domínio da gangue narcotraficante Los Lobos. A organização também se financia com a mineração ilegal, que gera até 1 bilhão de dólares (R$ 5,6 bilhões) anuais no país.
Submerso na violência de numerosos grupos ligados a cartéis internacionais, o Equador alcançou em 2023 o recorde de 47 homicídios por cada 100.000 habitantes.
- "Frustração" -
Garzón estuda essa pequena ave há 20 anos, trabalha para sua conservação e aposta na gestão sustentável de seus habitats, mas Ponce Enríquez agora é uma área proibida para ele.
"Ficamos com a incerteza e a frustração (...) Há uma lacuna de informação nesse local", comenta à AFP.
Além disso, há "um risco para a conservação, porque podem ser áreas importantes onde há espécies endêmicas ou ameaçadas e não podemos fazer nada", lamenta.
A ferocidade do narcotráfico levou os cientistas a trabalhar em estreita colaboração com as comunidades e autoridades locais. As saídas de campo agora são mais curtas ou situadas em áreas "espelho", onde possam encontrar espécies semelhantes com menos riscos.
A reserva privada Lalo Loor, em Manabí (sudoeste), é uma das últimas remanescentes intactas de floresta seca naquela província costeira e reduto de grupos narcotraficantes.
Devido à crise de segurança, universidades americanas cancelaram a visita anual de pesquisadores e estudantes, uma importante fonte de recursos para Lalo Loor.
- Pausas prolongadas -
Judith Denkinger, bióloga alemã da Universidade San Francisco de Quito, suspendeu sua pesquisa sobre baleias.
Em 2022, interrompeu seu trabalho de duas décadas na costa da problemática província de Esmeraldas (noroeste), na fronteira com a Colômbia. Desde então, não tem registros fotográficos nem acústicos das baleias-jubarte que chegam ao Pacífico equatorial para acasalar e dar à luz.
Ela também não conseguiu continuar com a limpeza do fundo marinho.
A especialista também se preocupa com a situação dos pescadores. "Vêm os piratas, que normalmente são narcotraficantes, e os ameaçam, sequestram a lancha ou roubam o motor ou os sequestram para serem forçados ao tráfico de drogas", conta Denkinger, diretamente da Alemanha, à AFP.
B.Agosti--IM