Guardas de fronteira sauditas mataram centenas de migrantes etíopes, diz ONG
Guardas de fronteira sauditas atiraram e mataram centenas de migrantes etíopes que tentaram entrar no rico reino através do Iêmen entre março de 2022 e junho de 2023, denunciou a ONG Human Rights Watch (HRW) em um relatório publicado nesta segunda-feira (21).
As acusações apontam para uma grande escalada de abusos ao longo da perigosa "Rota Oriental" do Chifre da África à Arábia Saudita, onde centenas de milhares de etíopes vivem e trabalham.
"As autoridades sauditas estão matando centenas de migrantes e solicitantes de asilo nesta remota área de fronteira, longe dos olhos do resto do mundo", disse Nadia Hardman, pesquisadora da HRW.
Alguns sobreviventes entrevistados pela ONG descreveram ataques à queima-roupa e que guardas perguntavam aos migrantes "em que parte do corpo eles preferiam ser baleados", segundo o relatório.
"Gastar bilhões" em esportes e entretenimento "para melhorar a imagem saudita não deve nos distrair desses crimes horríveis", acrescentou.
Uma fonte do governo saudita disse à AFP que "as acusações no relatório do HRW de que guardas de fronteira sauditas atiraram em migrantes etíopes que cruzavam a fronteira entre Arábia Saudita e Iêmen são infundadas e não se baseiam em fontes confiáveis".
O grupo, com sede em Nova York, documenta abusos contra etíopes nesses países há quase uma década, mas os últimos assassinatos parecem "generalizados e sistemáticos" e podem constituir crimes contra a humanidade, afirmou.
Nesta segunda-feira, os Estados Unidos pediram uma investigação detalhada do ocorrido.
"Levamos nossas preocupações sobre essas acusações ao governo saudita", disse um porta-voz do Departamento de Estado. "Pedimos às autoridades sauditas que façam uma investigação completa e transparente e também cumpram suas obrigações sob o direito internacional".
O Departamento de Estado afirmou que os guardas de fronteira envolvidos no relatório não receberam financiamento nem treinamento do governo americano. Os Estados Unidos são aliados de segurança de longa data da Arábia Saudita, produtora de petróleo, mas mantêm uma relação tensa em relação aos direitos humanos.
No ano passado, especialistas da ONU relataram "denúncias preocupantes" de que "bombardeios de artilharia transfronteiriços e disparos de armas pequenas das forças de segurança sauditas mataram cerca de 430 migrantes" no sul do reino e no norte do Iêmen durante os primeiros quatro meses de 2022.
O norte do Iêmen é amplamente controlado pelos huthis, rebeldes combatidos desde 2015 pela Arábia Saudita, que apoia as forças pró-governo.
A guerra no Iêmen gerou o que a ONU descreve como uma das piores situações humanitárias do mundo.
- 'Cenas de terror' -
O relatório da HRW é baseado em entrevistas com 38 migrantes etíopes que tentaram cruzar a Arábia Saudita a partir do Iêmen, e em imagens de satélite, vídeos e fotos nas redes sociais, ou de outras fontes.
Os entrevistados descreveram 28 "incidentes com armas explosivas", incluindo ataques com morteiros. "Todos os entrevistados descreveram cenas de terror: mulheres, homens e crianças espalhados pela paisagem montanhosa, gravemente feridos, desmembrados, ou já mortos".
Uma mulher de 20 anos da região de Oromia, na Etiópia, disse que os guardas de fronteira sauditas dispararam contra um grupo de migrantes que haviam acabado de libertar.
"Foi como se chovessem balas sobre nós. Quando me lembro, choro", explicou.
"Vi um homem pedindo ajuda. Ele tinha perdido as duas pernas. Ele gritava: 'Vocês vão me deixar aqui? Por favor, não me deixem'. Não podíamos ajudá-lo, porque estávamos correndo para salvar nossas vidas", acrescentou.
A Human Rights Watch pediu a Riade que "revogue imediata e urgentemente" qualquer política de uso de força letal contra migrantes e solicitantes de asilo e instou a ONU a investigar os supostos assassinatos.
S.Carlevaro--IM