Guatemaltecos votam em uma eleição crucial para a democracia
Os guatemaltecos votavam tranquilamente neste domingo (20) para eleger um novo presidente após uma campanha marcada por tentativas de marginalizar o candidato Bernardo Arévalo, o inesperado favorito de centro-esquerda que lidera uma cruzada contra a corrupção.
Os quase 3.500 centros de votação funcionavam normalmente ao meio-dia do horário local (15h00 de Brasília), sem que nenhum incidente fosse reportado, de acordo com a missão de observadores da OEA.
Filho de um presidente que deixou sua marca, o social-democrata Arévalo gera esperanças de mudança em um país mergulhado na pobreza, na violência e na corrupção, que levam milhares de guatemaltecos a migrar a cada ano.
No entanto, ele é visto com apreensão pela elite política e empresarial que governa o país, acusada de corrupção.
Sua rival é a ex-primeira-dama Sandra Torres, também social-democrata, que em sua terceira eleição conta com o apoio silencioso do presidente de direita Alejandro Giammattei e da poderosa elite empresarial aliada ao governo.
"Estamos confiantes de que o povo da Guatemala será o vencedor", disse Arévalo após votar em uma escola na capital.
Torres não fez declarações ao votar. Neste fim de semana, ela questionou o processo de contagem de votos: pediu à justiça que garanta a "transparência" da votação e denunciou supostas "ações intrusivas" e "racistas" dos observadores da União Europeia.
A Suprema Corte acatou seu pedido e ordenou ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) que "adote medidas para garantir [a correta] entrada de dados no sistema informático" e permita que os fiscais de cada partido tirem fotos das atas das mesas de votação.
A candidata é apoiada por vários partidos de direita, pastores evangélicos e o Ministério Público, que tentou desqualificar o partido Semilla de Arévalo para excluí-lo da disputa presidencial.
"As forças tradicionais optaram por Torres, pois Arévalo é visto como um risco para a continuidade do sistema", disse à AFP o analista Bernardo Matute, diretor do centro Gobernálisis.
Uma pesquisa de opinião concedeu a Arévalo 50% das intenções de voto na quarta-feira e a Torres, 32%.
- "Transparente e pacífico" -
A Suprema Corte anulou definitivamente na sexta-feira a ordem de um juiz para desqualificar o Semilla.
No entanto, a Organização dos Estados Americanos (OEA) expressou sua "preocupação" com os planos do Ministério Público de prender líderes do Semilla após o segundo turno.
Por sua vez, os Estados Unidos manifestaram a esperança de que o segundo turno seja "livre, justo, transparente e pacífico".
"A maioria, acredito que 80%, está clara sobre em quem votar para acabar com a corrupção", disse Luisa González, dona de casa de 46 anos, ao votar em uma escola.
Efraín Boch, um caminhoneiro de 47 anos da aldeia indígena de San Juan Sacatepéquez, pediu que o novo presidente "combata a corrupção, que está nos afetando".
- "Nova oportunidade" -
Com 64 anos e sociólogo, Arévalo é filho do primeiro presidente eleito democraticamente na Guatemala, Juan José Arévalo (1945-1951), e promete seguir o caminho de seu pai com uma agenda social e de mudança forte.
Além da campanha contra o Semilla, o Ministério Público conduz há alguns anos uma campanha contra jornalistas e funcionários judiciais que combateram a corrupção, tendo detido ou empurrado para o exílio cerca de trinta deles.
"Apesar da fragilidade de seu Estado e de sua fragilidade governamental, a Guatemala pode abrir uma nova oportunidade democrática com transparência e inclusão, sem discriminação, superando o discurso de ódio", disse à AFP o reitor da Universidade para a Paz da Costa Rica, Francisco Rojas.
Analistas apontam que a Guatemala está vivendo um retrocesso em direção ao autoritarismo como reação ao estabelecimento da Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG), uma entidade criada pela ONU que investigou a corrupção governamental entre 2007 e 2019.
Em 2019, o então presidente de direita, Jimmy Morales, encerrou a CICIG, e Giammattei não quis ressuscitá-la.
"Na Guatemala, a democracia está sendo desestabilizada por instituições corroídas pela corrupção", expressou Rojas.
- "Uma Venezuela" -
Em um país fortemente conservador e religioso, Arévalo e Torres descartaram a legalização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo ou o aborto, que é permitido apenas em casos de risco para a mãe.
No entanto, a ex-primeira-dama, de 67 anos, afirma que seu adversário é ateu - embora ele seja católico como ela - e que ele deseja legalizar o aborto, uniões entre pessoas do mesmo sexo e drogas. Ela também chamou os seguidores do Semilla de "huecos" (termo pejorativo para se referir a homossexuais).
Ela assegura que Arévalo planeja expropriações e que transformará a Guatemala "em uma Venezuela e em uma Cuba".
Arévalo definiu a adversária como "a candidata da mentira e desinformação".
Aproximadamente 9,4 milhões de guatemaltecos estão aptos a escolher o sucessor de Giammattei, que deve entregar o cargo em 14 de janeiro de 2024.
Os quase 3.500 centros de votação fecharão às 18h00 (21h00 de Brasília), e os primeiros resultados oficiais serão conhecidos cerca de três horas depois.
S.Rovigatti--IM